quarta-feira, 12 de novembro de 2025

RESUMOS | Criminologia por Guilherme de Souza Nucci

 SÍNTESE ARTICULADA por NUCCI

1. A criminologia deve abordar todas as teorias referentes às causas do crime, bem como os variados estudos acerca do criminoso, da vítima, da mais adequada forma de punição e a respeito da política criminal no Brasil. O autêntico debate promissor para o campo das ciências criminais precisa contar com variados pontos de vista acerca de temas tão relevantes no cenário do direito penal. A mescla das teorias sociológicas e etiológicas pode esclarecer muitos pontos, se analisadas em conjunto, permitindo a formação de um contexto mais amplo de propostas para aperfeiçoar o atual sistema punitivo.

2. A sociedade há de evoluir até atingir a perfeição da humanidade, possibilitando eliminar, por completo, qualquer punição, visto não haver mais infração de qualquer espécie, muito menos no campo penal. Enquanto não for viável extirpar o crime da sociedade, torna-se essencial existir a pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direitos, pecuniária ou qualquer outra espécie, a ser desenvolvida com o passar do tempo. Nesse cenário, depende-se muito do avanço da tecnologia, apta a fornecer novos instrumentos para representar formas diversas de sanção penal, mais humanizadas e até mesmo mais eficientes. Se, hoje, pode-se dispor do monitoramento eletrônico, controlando--se o preso provisório ou condenado à distância, por certo, no futuro, outros instrumentos surgirão para auxiliar o sistema punitivo, permitindo, inclusive, o esvaziamento dos presídios e, com isso, atingindo-se formatos mais dignos de cumprimento da pena.

3. A adoção do direito penal mínimo efetivo pode ser uma possibilidade realista, desde que o Parlamento promova uma reforma na legislação penal, descriminalizando condutas ultrapassadas, estritamente moralizantes e inócuas para fins de proteção social. Com isso, os órgãos policiais poderão investigar mais detalhadamente delitos graves, proporcionando maior espaço à atuação do Ministério Público e do Judiciário. Conforme o grau de filtragem dos delitos e das penas, torna-se viável estancar a superpopulação carcerária, desde que o poder público faça a sua parte, quanto à ampliação das vagas e à humanização dos estabelecimentos, cumprindo-se estritamente as leis penais e de execução penal, o que não ocorre atualmente.

4. O abolicionismo penal não encontra supedâneo mínimo na existência realística da humanidade, constituindo uma poética proposta para a sociedade do futuro, quando houver fraternidade e solidariedade entre todos. Porém, ao atingir esse patamar evolutivo, não haverá necessidade de qualquer discurso abolicionista, pois a eliminação da punição será algo natural e consequência lógica da paz reinante.

5. A cifra negra é uma realidade, mas sempre foi objeto de análise da criminologia e não se trata de um argumento inédito erguido somente pelos abolicionistas. Ademais, não se tem estatística autêntica do seu montante, de modo que se estima existirem muitos delitos cometidos e que permanecem ocultos (não descobertos, não investigados, não processados ou não punidos). Mesmo que se possa, em cálculo hipotético, apontar um número de crimes praticados maior que os conhecidos e, de algum modo, apurados, inexiste qualquer consequência lógica para dessa situação extrair-se a conclusão de ser mais indicado eliminar, por completo, o direito penal e o sistema punitivo. Afinal, em qualquer campo do direito, onde existem infrações e penalidades, pune-se apenas o que se detecta, apura e se consegue provar; nem por isso, se extirpam as sanções a pretexto de elas constituírem a minoria em relação ao número de infrações. Um dos principais aspectos liga-se, justamente, às finalidades gerais da punição, quanto a demonstrar à sociedade a existência do direito e no tocante ao caráter intimidante da sanção. Existindo o crime e a pena, somente o fato de poder o agente do delito ser descoberto e sofrer a sanção é fator desestimulante e inibidor para muitas pessoas; somente por isso, já existe fundamento para a existência do direito penal.

6. A pena privativa de liberdade pode ser reduzida para vários crimes, dependendo de alteração legislativa e da postura do Judiciário. Enquanto isso não se concretizar, torna-se imperioso humanizar os presídios, permitindo as melhores condições possíveis para os regimes fechado e semiaberto. Porém, é preciso contornar o presente estado de impunidade quanto ao cumprimento de pena no regime aberto, visto inexistirem casas do albergado, na maioria das comarcas, e os sentenciados estão sendo encaminhados para prisão domiciliar, sem a devida fiscalização. A utilização das penas restritivas de direitos e da pena pecuniária pode ser um modelo apropriado para vários delitos e até ampliado o seu alcance, respeitando-se o princípio da proporcionalidade e levando-se em consideração as condições pessoais do agente do crime. Porém, é preciso eliminar penas restritivas de direitos inócuas, criando-se outras, se for o caso, sempre buscando a efetividade quanto à sua aplicação.

7. A questão ligada às drogas ilícitas precisa ser, urgentemente, debatida não somente pelo Supremo Tribunal Federal, mas por toda a sociedade e, por óbvio, pelo Poder Legislativo, aperfeiçoando a lei específica e decidindo acerca da licitude ou da continuidade da vedação do consumo pessoal de substância entorpecente para fins recreativos. De qualquer forma, torna-se curial a revisão da Lei 11.343/2006 indicando, com a devida clareza, os critérios para apurar quem deve ser considerado traficante e quem deve ser visualizado como usuário. Afinal, grande parte da população carcerária advém de condenações por tráfico ilícito de drogas.

8. A justiça restaurativa é uma opção importante, mas é indispensável que seja prevista em lei, para aplicação em todo o território nacional, sempre de maneira uniforme, mas facultativa, respeitando-se a vítima, que não pode ser obrigada a perdoar o ofensor, nem com ele se reconciliar. No mesmo sentido, há de se respeitar o acusado, que não pode ser forçado a pedir desculpa ou arrepender-se. Por certo, quando o ofensor apresenta remorso pelo que realizou, cuida-se de relevante fator para se levar em consideração, se não na esfera da justiça restaurativa, pelo menos para constar como causa de diminuição de pena e, em algumas hipóteses, até mesmo de perdão judicial.

9. A criminalidade de colarinho-branco não pode ser ignorada, nem desprezada; ao contrário, o tratamento destinado a esse tipo de delinquente precisa ser exatamente o mesmo conferido a outras espécies de delitos, cometidos por classes sociais empobrecidas. Cabe à política criminal adotada a decisão pelo rumo a tomar, aproximando as punições, hoje díspares, entre os delitos, pois, em matéria de ofensividade, dúvidas não restam no sentido de que as infrações de colarinho-branco podem causar danos devastadores a diversos bens jurídicos.

10. A vítima do crime precisa ser visualizada, devidamente, pela criminologia, pelo direito penal e pelo processo penal, implicando diferentes enfoques. Há de se estudar o comportamento do ofendido no contexto da infração penal, pois não se deve beatificar a vítima, do mesmo modo que é preciso não demonizar o criminoso. Há graus de culpabilidade da vítima, que merecem ingressar no estudo das causas de surgimento do delito e das razões que levaram o agente a cometê-lo. No campo penal, deve o julgador avaliar o comportamento da vítima para fixar a pena do réu, como, por exemplo, aplicando o disposto no art. 59 do Código Penal, regulador da pena-base, devendo fazê-lo em qualquer aspecto, vale dizer, não se deve considerar o comportamento do ofendido somente para beneficiar o acusado, pois essa visão restritiva é incompatível com o princípio constitucional da individualização da pena. No contexto do processo penal, torna-se preciso cumprir os direitos já previstos em lei para a proteção da vítima, ampliando o seu direito de participação no processo, caso deseje, por meio do assistente de acusação.

11. A política criminal brasileira precisa ser debatida e definida pelos Poderes da República, buscando-se adotar um perfil equilibrado para o enfrentamento da criminalidade, dentro da realidade da nossa sociedade, evitando-se radicalismos punitivos ou lenientes e sem a importação, pura e simples, de sistemas vigentes em países estrangeiros, cujo cenário político, econômico e social é distinto do Brasil.

12. É preciso desmistificar qualquer assertiva no sentido de que a pobreza gera a criminalidade. Não há nenhum alicerce para essa conclusão, de modo que o argumento de que as pessoas economicamente desfavorecidas são agentes de crimes é falsa. A imensa maioria da classe social economicamente inferior é honesta e constitui uma ilogicidade defender um direito penal brando e ameno para delitos graves, especialmente os violentos contra a pessoa, cujos sujeitos passivos, majoritariamente, se encontram justamente entre as pessoas mais pobres, desprotegidas e vulneráveis, desprovidas da ideal segurança pública, além de incapazes de custear uma segurança privada. Por outro lado, se a maior parte da população carcerária é constituída por pessoas economicamente desfavorecidas, isso termina por retratar o desnível de tratamento do sistema punitivo brasileiro no tocante à penalização dos crimes, com evidente leniência para os delitos de colarinho-branco, típicos das classes mais favorecidas.

13. A impunidade é uma situação mais grave do que a quantidade de pena prevista para cada delito. Se o crime fosse imediatamente punido, mesmo com penas mais brandas, seria mais eficaz aos olhos da sociedade. Isso não afasta o princípio da proporcionalidade, prevendo sanções penais que possam acompanhar, em gravidade, a natureza do delito cometido e as condições pessoais do agente. Nesse campo, torna-se essencial debater e captar os principais motivos da ineficiência dos órgãos de investigação: se é causa proveniente da deformação das leis, se é fruto da insuficiência de recursos materiais para tanto ou existe outro motivo pouco explorado. Afora a fase investigatória, cabe à criminologia analisar, também, a origem e as razões dos fracassos de vários processos criminais, que terminam sem solução por carência de provas. Muitos deles são incapazes de atingir um real veredicto para o réu: culpado ou inocente. Alcança-se o estágio da pura dúvida, que se poderia denominar de acusado não culpado (insuficiência probatória grave), quando se deveria aguardar da justiça criminal a afirmação ideal de ser culpado ou ser inocente. As falhas do processo penal, desde o início da persecução penal, constituem parte integrante do quadro geral da impunidade, merecedora de estudo por parte da criminologia. De nada resolve apenas mencionar a tal cifra negra para apontar a deficiência do sistema punitivo, quando se sabe que os problemas não se concentram somente nas leis penais, mas, igualmente, nas agências investigatórias de crimes, concernindo ao direito processual penal indicar os caminhos mais eficientes a seguir. Portanto, a baixa produtividade dos órgãos de segurança pública para conter o avanço de toda espécie de criminalidade não deve ser, simplesmente, criticada, com a finalidade de se apontar a inutilidade do direito penal e, consequentemente, do sistema punitivo. Há de se buscar a solução adequada para sanar esse cenário enaltecedor da impunidade; o crescimento desta enfraquece a paz pública.

14. Quanto à pena, possui duas funções e três finalidades, que merecem ser avaliadas em conjunto. A primeira função é retributiva, consistindo em um alerta para o criminoso, buscando que faça uma reavaliação do seu comportamento, podendo arrepender-se do que foi feito e permitindo a cominação em lei da pena justa, consistente na fiel proporção entre a gravidade do fato e a punição aplicada. A segunda função refere-se à oportunidade concedida ao sentenciado para a sua reeducação ou ressocialização, se assim quiser. Para tanto, o Estado deve proporcionar-lhe trabalho e estudo, além de garantir, nos termos da lei, o cumprimento da pena com acompanhamento das equipes multidisciplinares existentes nos estabelecimentos penais, assegurando assistência ao egresso para habitação, alimentação e emprego. Aplicada a sanção, busca-se atingir três finalidades, que podem ser concomitantes, conforme o caso concreto. A primeira finalidade diz respeito a demonstrar à sociedade a eficiência e a eficácia do direito penal para o enfrentamento do crime. A segunda concerne ao caráter intimidante da pena, despertando nos destinatários da norma penal a repulsa à prática do crime. A terceira liga-se à indispensável segregação de alguns condenados, como modo de afastá-los do convívio social por um certo período, protegendo a sociedade.

15. Urge instar o Poder Executivo a cumprir a lei penal e de execução penal de pronto, sem mais delonga, pois somente essa atitude já será extremamente eficiente para amenizar – e muito – o caos vivido pelo sistema penitenciário na atualidade. Cumpre ao Poder Legislativo trabalhar pela edição de leis harmônicas e coerentes, promovendo a revitalização do ordenamento jurídico na esfera criminal, nos termos de um direito penal mínimo eficiente. Cabe ao Judiciário evitar a decretação da prisão preventiva, quando puder ser evitada e aplicadas em seu lugar medidas cautelares alternativas, contribuindo para o esvaziamento dos estabelecimentos de detenção provisória. No cenário penal e de execução penal, parece-nos fundamental cumprir as decisões relativas à interpretação do direito, tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, especialmente quando favoráveis ao réu, para assegurar maior segurança jurídica e uniformidade nas decisões proferidas nas diversas comarcas brasileiras.


NUCCI, Guilherme de Souza. Criminologia. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

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